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Proibição de contratação temporária de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à Endemias pelos municípios

A luta pela desprecarização dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate à endemias ainda não acabou. —  Foto/Reprodução.

Proibição de contratação temporária de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à Endemias pelos municípios
Publicado no Conexão Notícia em 05.out.2020.  

Agentes de Saúde | Embora muito utilizada pelos municípios brasileiros, a contratação temporária destes profissionais é vedada pela legislação aplicada, levando a inúmeras suspensões judiciais de processos seletivos. Advogado Thiago Sebastian Pellenz Silva*

O surgimento dos agentes de saúde no Brasil remonta à segunda metade da década de 80, quando mulheres nordestinas passaram a fazer visitas em regiões assoladas pela seca e/ou pobreza com o foco no atendimento e acompanhamento de gestantes e crianças na primeira infância.

Tais práticas trouxeram grande progresso no combate à mortalidade infantil, fazendo com que o Governo Federal incorporasse esses trabalhos ao Programa de Saúde da Família (PSF) em 1991, com o intuito de promover a contratação desses profissionais a todos os municípios do país.

A expansão desse programa aos municípios, no entanto, trouxe consigo uma marca muito negativa. As contratações dos agentes eram, em sua grande maioria, contratações em caráter precário, seja por intermédio de empresas interpostas (“terceirização”) e/ou com remunerações que sequer alcançavam um salário mínimo. Tratava-se claramente de uma situação de subemprego.

Essa injustiça originou um movimento de mobilização da categoria denominado Mobilização Nacional dos Agentes de Saúde – MNAS, que teve por objetivo justamente a desprecarização dos vínculos de trabalho existentes e a garantia dos direitos trabalhistas mínimos a estes profissionais. Tal movimento fortaleceu a luta de entidades nacionais, estaduais e municipais. Os voluntários da Mobilização afirmam que os méritos das conquistas não são de nenhuma entidade de representação dos ACS/ACE, mas da própria categoria.

Os primeiros frutos da Mobilização Nacional e do fortalecimento das entidades representativas amadureceram finalmente no ano de 2006, mais especificamente com as aprovações pelo Congresso Nacional da Emenda Constitucional nº 51/2006 e da Lei Federal nº 11.350/20069 (Medida Provisória nº 297/2006).

Por partes. A EC nº 51/2006 acrescentou à Constituição Federal os parágrafos 4º, 5º e 6º do artigo 198:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
[Omisso]
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.
§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias.
§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício.

Essa é a primeira previsão oficial dos agentes de saúde no texto constitucional já com a separação entre as categorias de “Agente Comunitário de Saúde” e de “Agente de Combate à Endemias”.

Destaca-se que o parágrafo 5º determinou ainda que uma “lei federal” iria dispor sobre o regime jurídico e regulamentação das atividades das categorias. Pois isso ocorreu logo em seguida através da Medida Provisória nº 297/2006, depois convertida à Lei Federal nº 11.350/2006.

VEJA TAMBÉM:

A Lei Federal nº 11.350/06 é o estatuto jurídico próprio da categoria dos ACS e dos ACE, o qual dispõe a forma de contratação desses profissionais, as atribuições dos cargos, os requisitos para investidura, entre outras determinações, a destacar o que segue:

Art. 2º O exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias, nos termos desta Lei, dar-se-á exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, na execução das atividades de responsabilidade dos entes federados, mediante vínculo direto entre os referidos Agentes e órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional.

Art. 8º Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.

Art. 9º A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Art. 10. A administração pública somente poderá rescindir unilateralmente o contrato do Agente Comunitário de Saúde ou do Agente de Combate às Endemias, de acordo com o regime jurídico de trabalho adotado, na ocorrência de uma das seguintes hipóteses:
I - prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT;
II - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
III - necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da Lei no 9.801, de 14 de junho de 1999; ou
IV - insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para a continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.
Parágrafo único. No caso do Agente Comunitário de Saúde, o contrato também poderá ser rescindido unilateralmente na hipótese de não-atendimento ao disposto no inciso I do art. 6º, ou em função de apresentação de declaração falsa de residência.

Art. 14. O gestor local do SUS responsável pela admissão dos profissionais de que trata esta Lei disporá sobre a criação dos cargos ou empregos públicos e demais aspectos inerentes à atividade, observadas as determinações desta Lei e as especificidades locais. 
Art. 16. É vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos epidêmicos, na forma da lei aplicável.

Como se vê claramente pela legislação transcrita acima, é expressamente proibida a contratação terceirizada e/ou temporária de ACS e ACE. Em outras palavras, a contratação desses profissionais precisar ser obrigatoriamente mediante vínculo direto e por tempo indeterminado (não temporário).

Ainda que caiba aos municípios criar os cargos e estabelecer as regras da contratação, a lei local não pode contrariar as determinações contidas no artigo 198 da Constituição e na Lei Federal nº 11.350/2006, a destacar o artigo 14 desta última.

Outro ponto importante é que o artigo 8º da lei permitiu aos municípios eleger o regime jurídico dos cargos, que poderá ser o regime da CLT (independente de previsão na lei municipal) ou o regime estatutário (mediante previsão expressa na lei municipal).

Por fim, o parágrafo 4ª do artigo 198 da Constituição e o artigo 9º da Lei Federal 11.350 determinam que a contratação dos ACS e dos ACE devem ser precedidos de “processo seletivo público”.

Nesse ponto vale esclarecer o ponto de maior equívoco entre os interpretes da lei.

O termo “processo seletivo” normalmente é usado para se referir ao “processo seletivo simplificado”, espécie de seleção pública realizada para a contratação temporária de servidores públicos com previsão no inciso IX do artigo 37 da Constituição, o que gera a dúvida se a contratação de ACS e ACE mediante “processo seletivo” acarretaria também no vínculo temporário desses profissionais.

A resposta é um sonoro não. Como já vimos anteriormente, a própria Constituição (art. 198, §§ 4º e 5º) e a Lei Federal nº 11.350/06 (arts. 9º, 14 e 16) determinam a contratação por processo seletivo mas com vínculo não temporário.

Concluindo. Nos termos da legislação específica aplicável aos agentes comunitários de saúde e aos agentes de combate à endemias, os municípios devem contratar esses profissionais: a) mediante vínculo direto (não terceirizado); b) através de processo seletivo público; c) por prazo indeterminado (não temporário); d) podendo optar entre o regime da CLT ou o regime estatutário.

Artigo elaborado por Dr. Ismael Giovani Fin Zimmermann*

Thiago Sebastian Pellenz Silva, Advogado*
Graduado em 2010 pela UFN - Santa Maria - RS; Especialização Lato Senso na Escola Superior da Magistratura - AJURIS - 2010 - Porto Alegre - RS; Especialização em Planejamento e Gestão Tributária - UNISINOS - 2012-13 - São Leopoldo - RS; Especializando em Direito Administrativo - UFRGS - 2014-15 - Porto Alegre - RS; Procurador Jurídico - 2012 - Município de São Leopoldo - RS; Direitor Jurídico do Departamento e Compras e Licitações 2013-14 - Parobé - RS; Procurador Jurídico - Município de Itaara - RS - 2017-18; Procurador Jurídico Câmara de Vereadores de Jari - RS - 2018; Sócio-proprietário CEO - Sebastian Advogados - Santa Maria - RS.

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